Quando eu saí de casa, uma certeza martelava em minha cabeça: eu era o maior escritor não famoso do Brasil. Com os manuscritos debaixo do braço, eu estava indo ao encontro do meu futuro. O famoso editor, com quem me encontraria dali a instantes, havia pedido que eu levasse apenas três dos meus contos. Era um homem ocupado. E após tantos anos garimpando em meio ao cascalho grosso da mediocridade, na procura pela rara pepita dourada da genialidade, ele havia desenvolvido uma terceira visão. O grosso amarrado sob minha axila testemunhava que eu, após uma noite insone lendo e relendo meus textos, na frenética tentativa de escolher os três melhores, selecionara a metade deles. E quando a manhã invadiu meu quarto, trouxe com ela a culpa por eu rejeitar os demais, como se menos amados fossem.
Mas, depois do chá de cadeira que tomei, eu já não tinha mais certeza de nada. Por falta do que fazer, e para controlar a ansiedade que, em mim, tende a provocar gases, cismei de reler minhas preciosidades. Trêmulo, suando mais que frango de padaria, a certeza me atingiu como um soco, nocauteando minha autoestima: eu não era tão bom.
Aliás, enquanto caminhava para lá e para cá, como um tigre enjaulado, na esperança de que os malditos gases se dissipassem, eu sabia que nem bom eu era. Meus contos, que até ontem eu venerava como se fossem os próprios manuscritos do Mar Morto, agora pareciam meras redações ginasianas.
Eu tinha que me livrar deles. Fingindo me abanar freneticamente – mas na verdade tentando tornar o ar menos poluído – eu corri os olhos pela saleta. Só então percebi uma porta, disfarçada pelos lambris da parede. Era um banheiro. Comecei a transformar os contos em tiras. Quando a lixeirinha já não podia mais fechar a tampa, o desespero me sussurrou uma idéia. Até a terceira descarga, tudo bem. Depois, o papel começou a voltar. Retirei tudo o que havia enfiado na lixeirinha, e a usei como balde, transferindo a água do vaso, para a pia. Enquanto isso, eu mantinha o dedão na descarga, direto. Quase deu certo. Aliás, se o troço não tivesse quebrado, eu teria me livrado de uma parte do problema. Sim, porque a papelada que eu retirara da cestinha, estufava todos os bolsos do meu paletó. Espalhei todas as toalhas de papel no chão, para impedir que o aguaceiro, que transbordava do vaso, ultrapassasse os limites do banheiro. E o tempo todo, torcendo para que o ralinho fizesse a parte dele. Não havia ralinho. Agora, só me restava abandonar o navio. A saleta continuava vazia. Buscando uma rota de fuga, avaliei minhas possibilidades. Do teto, uma câmera vigiava cada um dos meus passos. Estou irremediavelmente preso nesta ratoeira. A porta de blindex negro que me liga com a recepção, tranca-se automaticamente, e só pode ser aberta da sala da recepcionista. Por causa do ar condicionado central, não existe janela; apenas um corte na parede, que vai do piso ao teto, mais ou menos da largura de um palmo, ocupado por blocos de vidro maciço. Sentado no sofá, com os pés para cima, tornei-me um mero observador. Vencido, o grosso tapete, que antes enfeitava a sala, transformou-se em massa disforme. Daqui a pouco, já que existe uma abertura de um dedo para lhe dar passagem, o primeiro grito de - água! – ecoará.
E quer saber do que mais? Eu não estou nem um pouquinho interessado em saber como esta história vai terminar.
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