Você acha que é pecado passar a mão no alheio? Eu também acho que é. Pelo menos achava, até o momento em que a vi, ruiva e gostosinha, mole no meu quintal. Não a vizinha, é claro, porque esta só apareceu depois, procurando pela galinha dela. De uma para a a outra, passaram-se alguns momentos.
Meus amigos, a carne é fraca. Não a da galinha, é claro, já que uma canja costuma levantar quem está caído. Enquanto eu olhava a bicha (a galinha, porque vou logo avisando que não simpatizo com homem que vira mulher) já sonhando com os apetitosos pratos em que a penosa exercia o papel principal, tocam a campainha. Era aquela outra, a vizinha. Sou péssimo mentiroso. Ela nem se deu ao trabalho de perguntar. Bastou me olhar, e já foi entrando. Minha barriga, sentindo-se traída, roncava furiosamente. Lágrimas de perda desciam pelo meu rosto. Eu jamais teria uma nova chance de me alimentar decentemente. Praga da minha ex-sogra, aquela mocréia, que mesmo depois de ter batido a caçuleta ainda fazia os seus vodus. Amanhã mesmo, ou talvez depois, já que sou meio lento para essas coisas, eu iria acender uma vela na encruzilhada para me livrar do... Fui sacudido do meu momento espiritual pela vizinha – não tem gente que diz que quando o tinhoso não vem manda o secretário? Vinha de mãos vazias. Mentalmente, caí de joelhos ali mesmo, enquanto sinos celestiais repicavam festivamente, e um coro de anjinhos rosados entoava o cântico da Aleluia. Ela não achara a galinha, mas, pelo olhar venenoso que me lançou, eu vi que ela sabia. Hoje, tanto tempo passado, eu e a Djenane (a galinha ruiva, lembra?) ainda damos muita risada quando lembro do assunto. Imagine só que a danada (a galinha), assim que viu a peste (a vizinha), escondeu-se no meio das traquitanas, só para não ser encontrada. É que depois a filha (minha ex) seguindo os conselhos da mãe dela, escafedeu-se mundo a fora, parei de me ocupar com os detalhes do trivial. Deixei o mato crescer em volta da casa, parei de roçar a terra, e abandonei os biscates que me rendiam um bom dinheiro, já que sou um excelente faz-tudo. As traquitanas então foram se acumulando no barracão, até que me voltasse o ânimo; ou a Juraci. Mas agora tudo mudou. Para escapar dos olhos vigilantes da vizinha (que eu peguei mais de uma vez espichando o pescoço por cima do muro, coloquei a Djenane para dentro de casa. E como tinha de por comida na mesa para nós dois, eu voltei a fazer os biscates. Nas poucas horas que tenho de folga (já falei que sou um excelente faz-tudo?) vou dando um trato na terra, que já está até produzindo alguns legumes e umas verdurinhas. Da casa cuida a Djenane, prendada como ela só. Quer saber da vizinha? Mudou-se. Foi para outra cidade. Se eu sinto falta da Juraci? Nem lembro mais da cara daquela galinha (desculpe, querida, é só modo de falar).
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